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Terça, 19 de Março de 2024.

Em nota, CFESS manifesta repúdio ao PL 2253/2022
Projeto trata do fim das chamadas 'saidinhas temporárias'

Card com ilustração de um tablet e uma caneta, com fundo cinza e branco listrado traz chamada para nota de repúdio do CFESS.
O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) manifesta repúdio ao Projeto de Lei nº 2253/2022, que tramita no Senado Federal e propõe a extinção do direito a saídas temporárias de apenados e apenadas no regime semiaberto, popularmente conhecidas como “saidinhas”.  

 

O Projeto de Lei 2253/2022 tramitou na Câmara dos Deputados em 2022 e foi aprovado no Senado Federal depois de um debate raso e sem qualquer evidência das afirmações proferidas pela maioria dos senadores e senadoras em 20 de fevereiro do corrente ano. O PL em síntese propõe extinguir a saída temporária em casos envolvendo grave ameaça ou violência, exige o uso da tornozeleira eletrônica e a realização de exames criminológicos.   

 

De acordo com a Lei de Execução Penal - Lei 7210/1984 (LEP), o direito à saída temporária pode ser gozado somente quando a pessoa privada de liberdade se encontra em regime semiaberto e apresenta histórico de bom comportamento, limitado a 5 vezes no ano, comportando no máximo sete dias, desde que não tenha cometido crime considerado hediondo. A medida tem o objetivo de (re)adaptar o sujeito para transição de regime e minimizar os impactos deletérios da privação de liberdade, fortalecendo a convivência familiar.

O levantamento histórico demonstra que a média nacional de retorno à unidade prisional no prazo estabelecido após o usufruto da saída temporária é de 95% e, daqueles(as) que não retornam no prazo, a maior incidência são aqueles(as) que retornam com atraso, mesmo sendo mantidos em condições desumanas de violência, insalubridade, tortura sistêmica e até sob pena de fome. Cabe observar, ainda, que há um rígido controle do sistema prisional quanto aos critérios das saídas temporárias. Ademais, não há nenhum estudo consolidado que demonstre cometimento de delitos durante a saída temporária.  

 

A aprovação do referido projeto de lei representaria um incremento à política de superencarceramento no Brasil, vide o país possuir a terceira população prisional do planeta e tais índices não incidirem na diminuição das taxas de violência, que atingem majoritariamente pobres, negros, de baixa escolaridade e crimes contra o patrimônio privado. A política de superencarceramento no Brasil corrobora com a disseminação da tortura nas unidades prisionais e traz como consequência a maior capilarização de facções consideradas criminosas.  

 

A obrigatoriedade de realização de exames criminológicos como requisito para obtenção da saída temporária é um elemento significativo de inibir ou bloquear o acesso da população prisional a tal direito. A literatura do Serviço Social brasileiro entende a requisição do instrumento do exame criminológico como dotada de uma perspectiva positivista e punitiva-disciplinar, que desconsidera a dimensão de totalidade que orbita o ambiente do cárcere, desde as condições da privação de liberdade e a política criminal brasileira (conforme trecho de documento produzido pelo CRESS-RJ, disponível aqui).

Na formação em Serviço Social, as ações ou condutas só podem ser avaliadas a partir do contexto em que elas ocorrem, mediadas pelas relações de classes, raça/etnia e gênero. Desse modo, o Serviço Social não dispõe de base científica para avaliação de periculosidade, de personalidade ou comportamento dos sujeitos inseridos no sistema prisional, ademais na perspectiva de os(as) limitar o acesso aos direitos, o que conflita com os princípios éticos-políticos profissionais. A avaliação comportamental e vigilância moral da população prisional é não levar em conta as contradições existentes e produzidas dentro do ambiente do cárcere notadamente violador de direitos. Assim sendo, baseado na LEP e na legislação profissional, tais ações podem incorrer em exercício ilegal de outras profissões (conforme Código de Ética da/o Assistente Social).   

 

O Serviço Social brasileiro, enquanto profissão de nível superior com maior contingente no sistema prisional brasileiro (ainda que irrisório ante a amplitude do sistema de privação de liberdade) - de acordo com o Relatório de Informações Penais da Secretaria Nacional de Políticas Penitenciárias, em junho de 2023, eram apenas 1.464 profissionais em todo sistema nacional para o atendimento a quase 900 mil pessoas (em algum tipo de cumprimento de medida penal) e seus familiares - a partir do conjunto de seus princípios fundamentais, com destaque para a liberdade como valor ético central, a defesa intransigente dos direitos humanos; recusa ao arbítrio e autoritarismo; e consolidação e ampliação da cidadania, entende que a aprovação do Projeto de Lei 2253/2022 será mais um obstáculo à sobrevivência no cárcere das pessoas privadas de liberdade e seus familiares; e incrementará o cenário de violação de direitos humanos no sistema prisional.  

 

Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)
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