Arte: Rafael Werkema/CFESS
Desde 2018, tem sido crescente a oferta da modalidade denominada de estágio em pós-graduação em todo o país, com a publicação de editais de seleção em órgãos do Sistema de Justiça, especialmente nos tribunais de justiça, unidades do Ministério Público dos estados e outros órgãos. O objetivo: contratação de pós-graduandas e pós-graduandos na área do Serviço Social e da Psicologia.
Em abril de 2023 as entidades do Serviço Social e da Psicologia (Conselho Federal de Psicologia/CFP; Conselho Federal de Serviço Social/CFESS; Associação Brasileira de Ensino de Psicologia/Abep; Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social/Abepss) se manifestaram por meio de nota pública (clique aqui para acessar), analisando tal modalidade de contratação e expressando preocupações.
Os debates indicaram que a contratação de profissionais para o estágio nessa modalidade representa uma preocupante investida e expressão da precarização do trabalho profissional. Tais condições inadequadas se expressam, sinteticamente: i) na menor remuneração do trabalho na condição de estagiária(o) - por meio de bolsas- auxílio; ii) na temporalidade do vínculo - em geral são contratos de 2 anos; iii) na substituição ou, no mínimo, atraso na realização de concursos públicos; iv) na ausência de correlação entre o conteúdo temático da pós-graduação e a área de atuação da(o) estagiária(o), tendo como consequência direta a descaracterização do processo formativo próprio de um estágio.
O CFESS reafirma o posicionamento contrário a essa forma de contratação precarizada e sem viés formativo, entendendo-a apenas como uma substituição de força de trabalho com fragilidades de vínculos trabalhistas e com menor remuneração. Entretanto, do ponto de vista estritamente jurídico, o estágio de pós-graduação é considerado legal, já havendo manifestações do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à constitucionalidade de leis que criaram programas de estágio para estudantes de pós-graduação.
De acordo com o posicionamento pacificado pelo STF, o estágio realizado durante o curso de pós-graduação estaria inserido no permissivo legal da Lei do Estágio (Lei nº 11.788/2008) na qualidade de ato educativo escolar supervisionado realizado no ambiente de trabalho (conforme Ação Direta de Inconstitucionalidade/ADI 5752/2019 – com entendimento reafirmado em sucessivos julgamentos posteriores, a exemplo da ADI 5803, julgado em 18/12/2019; da ADI 6520, julgada em 17/8/2020; e da ADI 5477, julgada em 29/3/2021).
Dessa forma, embora haja uma compreensão, por parte do Conjunto CFESS-CRESS, de não apoiar a adoção do estágio de pós-graduação, considerando os argumentos expostos na nota pública, não é possível, do ponto de vista legal, impedir a sua realização. No entanto, ao mesmo tempo, também não seria pertinente regulamentar, por meio de Resolução ou outro instrumento normativo, procedimentos para validar tais estágios.
Com o aprofundamento das discussões, tornou-se evidente que os estágios persistem em se espraiar, inclusive para outras áreas sócio-ocupacionais. Assim, considerando que as justificativas do Poder Judiciário, para decidir pelo reconhecimento/validade dos estágios de pós-graduação, são que estes podem ser equiparados aos estágios de graduação, defende-se a possibilidade de utilização da Lei 11.788/2008, podendo ainda ser utilizada a Resolução CFESS 533/2008. Nesse sentido, há previsões normativas emanadas desses instrumentos.
**Em relação à Lei 11.788/2008:
Define estágio como “ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos”;
Estabelece como requisitos para realização de estágio:
matrícula e frequência regular do educando;
celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino;
compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso, sendo vedada qualquer ação que possibilite o seu desvirtuamento.
Exige o acompanhamento efetivo/ supervisão por docente da instituição de ensino e assistente social que exercerá a supervisão no campo de estágio;
A apresentação periódica de relatório das atividades, em prazo não superior a 6 meses;
Impõe que a realização de estágio em desconformidade com a Lei caracteriza vínculo de emprego do/a educando/a com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária.
**Em relação à Resolução CFESS 533/2008:
Define supervisão direta de estágio como “atividade privativa da(o) assistente social, em pleno gozo dos seus direitos profissionais, devidamente inscrita(o) no CRESS de sua área de ação, sendo denominado supervisor de campo o assistente social da instituição campo de estágio e supervisor acadêmico o assistente social professor da instituição de ensino”;
Exige que a instituição de ensino informe ao CRESS da jurisdição a relação dos campos credenciados; nome e número de registro no CRESS, de assistentes sociais responsáveis pela supervisão acadêmica e de campo; nome da(o) estagiária(o) e semestre em que está matriculada(o);
Determina prazo de 30 dias para encaminhamento das informações acima, determinando, ainda, procedimentos de averiguação em casos de descumprimento dos prazos;
Exige que o campo de estágio esteja dentro da área do Serviço Social e se garante as condições necessárias, como:
espaço físico adequado, sigilo profissional, equipamentos necessários, disponibilidade do(a) supervisor(a) de campo para acompanhamento presencial da atividade de aprendizagem;
observância da Resolução CFESS 493/2006, que dispõe sobre as “condições éticas e técnicas do exercício profissional do assistente social”;
elaboração conjunta do plano de estágio pelas(os) supervisoras(es) acadêmicas(os) e de campo e pela(o) estagiária(o);
define as competências da(o) supervisora(or) acadêmica(o) e de campo;
define o número de estagiárias(os) por assistente social supervisora(or) de campo, de acordo com a sua carga horária, ou seja, 1 estagiária(o) para cada 10 (dez) horas semanais de trabalho.
Estabelece que a atividade profissional de supervisão direta de estágio, suas condições, bem como a capacidade de estudantes a serem supervisionadas(os), nos termos dos parâmetros técnicos e éticos do Serviço Social, é prerrogativa da(o) profissional assistente social, ou seja, é parte da autonomia profissional, na hipótese de não haver qualquer convenção ou acordo escrito que estabeleça tal obrigação em sua relação de trabalho.
Com base nas exigências acima destacadas, é possível aos CRESS realizarem a orientação e fiscalização da supervisão de estágios de pós-graduação, adotando os procedimentos compatíveis e em consonância com a Política Nacional de Fiscalização do Conjunto CFESS-CRESS.
Considerando, portanto, o conceito de estágio como ato educativo supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho, é razoável que se exija que estágio de pós-graduação seja realizado em área que tenha relação com a área dos estudos pós-graduados em curso.
Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)
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