Arte: Rafael Werkema/CFESS
O mês de julho de 2020 marcou os 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Hoje, do contexto de retirada de direitos, por meio de alterações na legislação, corte de recursos e regressão de investimento nas políticas públicas, não escapam as políticas protetivas para crianças e adolescentes, que têm sido atacadas também sob a lógica moralista, religiosa e punitiva. Mas a luta contra essa realidade não é de hoje. Ela apenas se renova na conjuntura atual, como explica a conselheira do CFESS Kênia Figueiredo, na última matéria da série especial que marca os 30 anos do ECA.
De acordo com a assistente social e conselheira do CFESS, é fundamental defender o Estatuto e, mais do que nunca, reivindicar sua implementação de forma efetiva. “Afinal, o Serviço Social foi uma das categorias que participou das articulações para construção e aprovação do ECA há 30 anos. Tempo em que esta normativa passou a integrar, inclusive, o instrumental político e legal para atuação de assistentes sociais, que têm inserção em diversos espaços, como na área da infância e adolescência”, explica Kênia Figueiredo.
A conselheira, que representou o CFESS no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) entre 1999 e 2002, ressalta que, naquela época, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a política de assistência social não foi implementada, mas sim programas focalizados. “Enquanto a fome e a ausência de perspectivas compunham o cenário nacional, vimos crescer, nos grandes centros urbanos, aquilo que chamamos à época de ‘fenômeno meninos de rua’, que, sem condições de se manter em casa, na escola e na comunidade, iam para as ruas centrais buscar possibilidades de sobrevivência”, relembra Kênia.
Segundo ela, diante desta realidade, foram tempos de luta pela viabilidade e visibilidade do ECA e do Conanda, na defesa da implantação dos Conselhos Tutelares; contra o trabalho infantil; pela renda mínima para assegurar que as crianças pudessem permanecer nas escola; pelo fortalecimento do controle social; pela criação e fortalecimento das varas especializadas, para que juízes/as tivessem uma formação na área com base no ECA, sempre com a intensa participação e envolvimento de assistentes sociais.
A luta pelo ECA e a realidade do país
Mas a construção do Estatuto teve início muito antes de sua promulgação, em 1990. O Código de Menores, que o antecedeu, foi aprovado 11 anos antes (em 1979), ainda no regime ditatorial civil-militar, tendo como base a “doutrina da situação irregular, e já “nasceu” sob questionamentos por parte de sujeitos e movimentos sociais envolvidos na luta pelo fim da ditadura e na busca da construção de uma sociedade democrática, norteada por valores alinhados à defesa dos direitos humanos fundamentais, explica a assistente social e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Eunice Fávero.
“O ano de 1979, em que esse Código de Menores foi promulgado, é o mesmo ano do Congresso da Virada do Serviço Social brasileiro, o que revela de maneira exemplar que, nesse período, a categoria de assistentes sociais, ou parte expressiva dela, vinha se organizando politicamente em torno de pautas alinhadas à luta contra a ditadura. Assim, não é possível tratar das ações e pautas discutidas e defendidas pelo Serviço Social à época da construção do ECA sem reportar às lutas sociais que pautavam o Brasil naquele momento e nas quais o Serviço Social se fez presente de várias maneiras”, observa Fávero.
A professora acrescenta que foi também a partir das lutas e debates desta época que o Serviço Social brasileiro, na década de 1980 especialmente, investiu nas novas bases do projeto profissional, que se estabeleceu sobretudo na primeira metade da década de 1990, com um novo (e atual) Código de Ética Profissional, uma nova lei de regulamentação da profissão e uma nova base curricular de formação.
“As/Os assistentes sociais certamente afetaram e foram afetadas/os pela nova legislação direcionada à criança e ao/à adolescente – no exercício do trabalho cotidiano, na pesquisa, na docência e na organização política, pois muitos dos espaços de trabalho estabelecem alguma atuação com crianças, adolescentes, jovens e suas famílias, direta ou indiretamente”, completa Eunice Fávero.
Assistente social diz não à redução da maioridade penal
Uma importante e recente atuação de assistentes sociais e estudantes de Serviço Social se deu também recentemente, quando o Congresso Nacional tentou aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), para reduzir a maioridade penal. Nesse período, quem representou o CFESS no Conanda foi a assistente social Cheila Queiroz, entre 2014 e 2017.
“Dentre uma série de pautas desafiadoras à época, a discussão e o acompanhamento da PEC da redução da maioridade penal foi uma das nossas maiores questões. Fizemos o embate político no Congresso, pela defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes; mobilizamos os CRESS para a realização de ações nos estados e pressão a parlamentares contra a PEC; participamos das audiências nas comissões do Congresso, organizamos, com movimentos aliados, atos públicos em Brasília nos dias da votação, com a participação de crianças, adolescentes, jovens, educadores/as, militantes de todo país. Tudo isso na defesa dos princípios do ECA, da Constituição Federal, com base em nosso projeto ético-político profissional e nosso Código de Ética”, afirma Cheila.
Outras pautas que merecem destaque, segundo Cheila Queiroz, foram a discussão sobre o acolhimento de crianças e adolescentes em comunidades terapêuticas, que ainda hoje está presente, o que fere os princípios do ECA; o debate sobre a avaliação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e a realização do encontro denominado “Fórum Popular Brasileiro da Criança e do/a Adolescente – 25 anos do ECA”. O evento contou com a participação significativa de mais de 600 crianças e adolescentes de diversos segmentos de todas as regiões do país, para avaliar a política nacional da infância e adolescência e preparar os/as participantes para a conferência nacional.
As lutas de hoje: CFESS defende aprovação do projeto de lei 3668/2020
A defesa do Serviço Social pelo fortalecimento e efetiva implementação do ECA segue presente na atuação profissional de assistentes sociais. Neste momento inédito de pandemia por que passa o país, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei (PL) nº 3668/2020, que trata da defesa dos direitos de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, propondo regulamentação específica ao atendimento enquanto perdurar o estado de pandemia do novo coronavírus.
O PL aponta a urgência da ampliação de medidas de saúde e higiene nos centros de privação de liberdade, bem como defende que, durante a pandemia, não sejam aplicadas medidas socioeducativas privativas de liberdade aos grupos de adolescentes gestantes, com deficiência ou doenças crônicas graves, e àqueles/as responsabilizados por atos sem violência ou grave ameaça. Também prevê a suspensão das medidas em regime de semiliberdade, internação-sanção, liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade na pandemia.
É nesse sentido que o CFESS defende a aprovação do PL e convida a categoria de assistentes sociais a saber mais sobre a questão, a partir do manifesto da sociedade civil assinado pelo Conselho Federal, explicando as razões da importância deste projeto de lei.
Para conhecer mais e apoiar o Manifesto, acesse: https://bit.ly/JuventudeManifesto
Acesse o texto do projeto de lei e saiba mais
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