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Terça, 12 de Julho de 2016.

Solidariedade e proteção social são algumas das reivindicações de pessoas migrantes, refugiadas e fronteiriças
Veja como foram os debates de quinta e sexta (7 e 8/7) do Seminário, marcado por depoimentos emocionantes

Foto mostra auditório da UFPA com participantes nas cadeiras assistindo à palestra

Mais de 400 pessoas participaram do Seminário (fotos: Rafael Werkema/CFESS)

 

Se na quarta-feira (6/7) foram abordadas temáticas como racismo, xenofobia e outras violações de direitos das pessoas migrantes, refugiadas e fronteiriças, os debates do segundo e terceiro dias (7 e 8/7) do Seminário Nacional Serviço Social, Relações Fronteiriças e Fluxos Migratórios Internacionais seguiram na perspectiva de defesa dos direitos humanos dessas populações e das experiências profissionais nesse campo, em nível nacional e internacional.

 

Relembre como foi o primeiro dia

 

Direitos Humanos e o Direito Internacional: conquistas históricas e desafios para o Serviço Social foi o tema da mesa de quinta-feira (7/7), possibilitando reflexões acerca de aspetos legais na defesa dos direitos de migrantes no Brasil e na América Latina. 

 

A assistente social e professora da UFPA Adriana Mathis fez questão de ressaltar os instrumentos ético-políticos do Serviço Social brasileiro que orientam o trabalho da categoria no âmbito da proteção social, como o Código de Ética. “Os direitos humanos dessas populações estão ligados às obrigações positivas e negativas do Estado. Nesse aspecto, sempre há contradições entre o que diz a lei e o Estado cumpre”, pontuou.

 

Adriana também enfatizou que migrantes vêm ao Brasil são atraídos pela geração de renda e emprego. E muitas dessas pessoas acabam sendo terceirizadas e subcontratadas e são público de atendimento de assistentes sociais. “Essas pessoas demandam serviços públicos e têm direitos. E é a categoria de assistentes sociais que vai atender essa população”, apontando a importância do papel do Serviço Social neste quadro.

 

Para ela, o Código de Ética dá pistas de como se pensar no outro. “Colocar-se no lugar do outro é fugir da neutralidade, é ter empatia com a causa, é eliminar qualquer intolerância, é ter compromisso tácito com liberdade. Por isso, quando abordo, essa tema, gosto de trabalhar com o conceito de construção de pontes. Os muros nos separam e alimentam a violência. A construção de pontes unem os mais diferentes extratos da classe trabalhadora”, concluiu.

 

Foto das palestrantes Adriana Mathis e Corina Leguizamón, na mesa 	Direitos Humanos e o Direito Internacional: conquistas históricas e desafios para o Serviço SocialÀ esquerda, Adriana Mathis e Corina Leguizamón, na mesa Direitos Humanos e o Direito Internacional: conquistas históricas e desafios para o Serviço Social

 

A paraguaia Corina Leguizamón, comunicadora e diretora do Departamento de Comunicação e Cultura do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul, em Buenos Aires (Argentina), abordou a questão dos direitos humanos para migrantes e refugiadas na América Latina sob a ótica do Mercosul.

 

Ela fez um breve histórico desta cooperação que envolve hoje Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela, mostrando que, ainda que de forma muito gradual, o Mercosul ultrapassa a questão econômica.

 

“O Mercosul é uma luta cidadã. Funda-se na solidariedade entre os povos e não só na questão econômica. Ele foca também nos direitos humanos, estes frutos das lutas sociais que ocorreram na América Latina ao longo dos anos”, explicou Corina, destacando que se trata de uma região que tem bastante mobilidade entre as pessoas do seu território.   

 

A diretora da entidade ressaltou também que hoje o Mercosul tem importantes normativas que são conquistas dos povos, mas que elas devem começar a sair do papel. “As lutas contra as ditaduras favoreceram o desenvolvimento dos direitos humanos no Mercosul, como o caso da Comissão da Verdade da cooperação”, lembrou Corina.

 

Para finalizar, a comunicadora não podia deixar de ressaltar que toda essa defesa dos direitos humanos de pessoas migrantes, refugiadas  e fronteiriças deve passar pela comunicação social.  Lembrando de Paulo Freire, Corina afirmou “que a transformação passa pela transformação popular. A fronteira existe apenas na mente. É a esperança que move nossos povos”, disse.

 

Imagem mostra o palestrante Fedo Bacourt, do Haiti, em destaque

Fedo Bacourt, da União Social de Imigrantes Haitianos

 

A mesa foi encerrada com a palestra emocionante de Fedo Bacourt, coordenador da União Social de Imigrantes Haitianos (Usih-SP).

 

Não houve no auditório pessoa quem não se sensibilizasse com as frases do haitiano, ora carregadas de um sentimento de luta e de revolta, ora carregada por dor. “O nosso país é rico, mas nosso povo é pobre”, afirmou Fedo, referindo-se a exploração de minas no Haiti.

 

Importante destacar que o Haiti é ocupado há 12 anos pela Minustah (Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti), que é liderada pelo Brasil. Longe de ser uma missão humanitária, a invasão do território haitiano tem interesses políticos e econômicos.

 

O país, que em 2010 sofreu com terremoto que matou milhares de pessoas, possuí índices assustadores: 60% da população vivem com menos de um dólar ao dia, 44,5% estão subnutridos/as e 34,7% não são alfabetizados/as (dados do CFESS Manifesta 2015).

 

E as tropas militares brasileira têm servido como repressão das lutas sociais do país, que são históricas, sob o argumento da estabilização da região.

 

“O Haiti foi o primeiro país negro a se libertar da escravidão. Somos um povo de luta”, orgulhou-se Fedo. Segundo ele, o país sofre com duas ocupações, sendo que uma é visível e a outra é invisível: a brasileira, com suas tropas militares, e a norte-americana, com seus interesses econômicos.

 

“Pedimos a retirada da Minustah do território Haitiano. Ao contrário de recebermos a paz, estamos recendo violações dos direitos do povo haitiano”, denunciou.

 

Ao longo do Seminário, a questão de migrantes oriundas do Haiti foi por várias vezes destacadas, sendo o Brasil o principal destino dessas pessoas. “Somos apaixonados pelo Brasil e temos um elo muito forte com o povo brasileiro que é o futebol. Nosso povo ama o futebol, assim como vocês. Não há ninguém que não chore no Haiti quando a seleção brasileira perde um jogo. Quando o Brasil foi jogar (conhecido como o jogo da paz), em 2004, nosso país parou”, disse, demonstrando o carinho pelo Brasil.

 

Fedo também é um imigrante: professor, saiu do Haiti há quase 10 anos, trabalhou por três anos como guia turístico na República Dominicana e depois veio ao Brasil à procura de emprego para ajudar a família que ficou em seu país. Ele e outras pessoas do Haiti se organizaram para fundar, em 2015, a Usih, que ajuda na organização da luta de haitianos e haitianos chegam no Brasil sem documentos, moradia e trabalho e que sofrem com a xenofobia e o racismo. “Queremos do Brasil a solidariedade, e não o racismo e a xenofobia. Queremos um mundo sem fronteiras. Queremos a retirada das tropas do Haiti. Queremos um Haiti livre e soberano”, enfatizou Fedo, arrancando aplausos da plateia. Como povo de luta, o haitiano disse: “não vamos obedecer”.

 

“Até onde vai chegar o racismo e a xenofobia no Brasil?”, relembrando os crimes de violência sofridos pelos haitianos que migraram para o país.

 

Ele ainda repudiou a frase do apresentador Luciano Huck, da Rede Globo de Televisão, que chegou a afirmar recentemente que a humanidade não deu certo no Haiti. “É a Minustah, liderada pelo Brasil, que não dá certo no Haiti”.

 

Ao final, Fedo disse: “em nome de todos os haitianos, digo: sonhos que temos para o Haiti temos para o Brasil”.

 

Experiências profissionais de assistentes sociais com a população

Na parte da tarde, assistentes sociais apresentaram diferentes experiências profissionais no âmbito da proteção social para as pessoas imigrantes, que moram em regiões de fronteiras internacionais e refugiadas.

 

Apresentaram suas experiências as assistentes sociais Maria Geusina da Silva, professora da Universidade Federal da Integração Latino-Americana; Aline Maria Thuller de Aguiar, da Cáritas do Rio de Janeiro; Angélica Socorro Monteiro de Lima Gonçalves, da Ong Só Direitos, do Pará; e Jehanete Gomes da Silva, da Secretaria Justiça e Direitos Humanos do Pará.

 

As principais observações apontadas passaram pela a ausência ou omissão do Estado brasileiro na atenção aos direitos para a população migrante, muitas vezes excluída da proteção social que deveria ser universal, e pelos desafios das assistentes sociais no atendimento às pessoas vindas de outros países, sejam como refugiadas ou migrantes.

 

Discutiu-se também a necessidade de fortalecer a luta para abrangência de trabalhadores e trabalhadoras que chegam ao país como imigrantes ou refugiadas no campo dos direitos sociais.

 

Os debates trouxeram muitas particularidades desse campo de atuação de assistentes sociais, como a questão da comunicação com esses povos oriundos de outros países e suas línguas nativas, o respeito à cultura e as possibilidades do fazer profissional, a partir de um projeto ético-político consolidado e as demandas e limites legais e institucionais no atendimento a esse público migrante, refugiado e fronteiriço.

 

As atividades de quinta-feira foram encerradas com a apresentação cultural do grupo “Na Cuíra pra dançar”.

 

Imagem mostra assistentes sociais que trabalham com pessoas migrantes e refugiadas

Mesa que apresentou as experiências profissionais das assistentes sociais com pessoas migrantes e refugiadas

 

Diálogos internacionais

O terceiro e último dia de Seminário (8/7) foi marcado pelo debate sobre o exercício profissional e as experiências internacionais de Angola, Paraguai e Brasil.

 

O assistente social angolano Simão Samba, representante da Associação de Assistentes Sociais de Angola, falou da história da profissão no país africano, que foi marcada por um longa interrupção do reconhecimento do Serviço Social como profissão.

 

Segundo ele, a proteção social estava a cargo de outras profissões, como sociólogos. E que somente mais recentemente é que o Serviço Social voltou a ser reconhecido enquanto profissão, mas não regulamentada. Nesse sentido, ele destacou a importância da Associação, para pensar, fortalecer e, principalmente, dar visibilidade para o Serviço Social.

 

Simão apontou também a articulação com os meios de comunicação como uma importante estratégia de luta do Serviço Social angolano, que passou a ser visto com outra perspectiva a partir dessa ação.

 

Ele disse também que hoje o maior número de assistentes sociais angolanos está na área da saúde, mas ainda assim é insuficiente para a demanda do país. E, nesse sentido, a associação aposta na formação para qualificar as intervenções. “Somos uma profissão nova em Angola e estamos aprendendo muito com a experiência de outros países. Ao mesmo tempo, estamos tentando sempre fazer com que o Serviço Social angolano tenha sua identidade própria”, finalizou.

 

Em seguida, foi a vez da assistente social Stella Mary Garcia Aguero, professora de Serviço Social na Universidade Nacional de Assunção (Paraguai), falar um pouco da profissão no país vizinho ao Brasil.

 

Ela ressaltou as questões econômicas, sociais e políticas que afetaram o país nos últimos anos, como o golpe de Estado contra o ex-presidente Fernando Lugo, a produção intensiva de soja que está expulsando e matando a população camponesa paraguaia e insuficiência de conselhos de direitos e políticas públicas.

 

Ela reclamou que, apesar de o Mercosul trazer questões ligadas ao social, ele tem sido até agora muito mais comercial.

 

Stella apontou também que, diferentemente de outros países da América Latina, o Serviço Social no Paraguai não passou pela reconceituação que a profissão teve na década de 1960 no continente (ou 1970 no Brasil), e que isso tem impactos profundos para a proteção social no país.

 

A professora também alertou para a necessidade de mais sistematização, teoria e prática no trabalho de assistentes sociais que trabalham em regiões fronteiriças.

 

Foto com imagem em destaque de Stella Aguero (do Paraguai). Na outra ponta da mesa Esther Lemos (CFESS) e Simão Samba (Angola)

À esquerda, Stella Aguero (do Paraguai). Na outra ponta da mesa Esther Lemos (CFESS) e Simão Samba (Angola) 

 

Para finalizar, a vice-presidente do CFESS e professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste/Toledo), Esther Lemos, destacou os 80 anos do Serviço Social no Brasil e os impactos dessa história no atendimento às pessoas migrantes, refugiadas e fronteiriças. “Precisamos fazer valer as dimensões ético-política e técnico-operativa para podermos construir respostas concretas que se relacionam com a realidade da vida social”, enfatizou.

 

A conselheira do CFESS falou das atribuições e competências de assistentes sociais, principalmente no sentido da pesquisa, marcando a importância de a dimensão investigativa perpassar a dimensão interventiva da profissão. “O que precisamos é traduzir no cotidiano profissional nossas pesquisas nessa temática, tão importante para o Serviço Social brasileiro”, encerrou.

 

Ao final do Seminário Nacional Serviço Social, Relações Fronteiriças e Fluxos Migratórios Internacionais, as conselheiras do CRESS-PA e do CFESS Gizelle Freitas e Tânia Diniz fizeram uma avaliação positiva do evento.

 

Participaram do Seminário cerca de 430 pessoas, entre assistentes sociais, estudantes de Serviço Social e profissionais de outras áreas, vindas de diferentes estados brasileiros.

 

O evento foi transmitido online e teve também, ao longo de três dias, mais de duzentas visualizações no Youtube.

 

Assista na íntegra às palestras do evento

 

Leia o CFESS Manifesta do Seminário

 

Leia o CFESS Manifesta especial: Pela retirada das tropas brasileiras no Haiti

 

 

 

Conselho Federal de Serviço Social - CFESS

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